No caminho de Cabral

Pedalar os 110 quilômetros na Costa do Descobrimento, entre Prado e Porto Seguro, é um jeito inesquecível de conhecer o litoral sul da Bahia

No caminho de Cabral

Pedalar os 110 quilômetros na Costa do Descobrimento, entre Prado e Porto Seguro, é um jeito inesquecível de conhecer o litoral sul da Bahia

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Inspiração

Nossa partida não foi nada, comparada à saída de Lisboa da esquadra de Pedro Álvares Cabral, em 9 de março de 1500. O navegador e seus quase 2 mil homens, em 13 caravelas, levantaram âncora num domingo. Tudo para que a capital portuguesa inteira pudesse assistir ao desfraldar das velas da maior e mais poderosa frota que Portugal já enviara para singrar o Atlântico. No porto, capitaneados pelo rei dom Manuel 1º, O Venturoso, estavam a corte lisboeta em peso e os mais graduados integrantes da Igreja.

Cabral zarpou no rio Tejo, diante da capela da Ermida de São Jerónimo. Nós, da pequena igreja matriz da cidade de Prado, sul da Bahia, região onde Cabral chegou em 22 de abril. O máximo que conseguimos foi a atenção de alguns garotos, curiosos com nossas bicicletas. Nos seis dias seguintes, teríamos pela frente 110 quilômetros de areia pela chamada Costado Descobrimento. Hora de pedalar rumo a Porto Seguro, o destino final.

Eu me encontrava num grupo bastante heterogêneo do ponto de vista profissional. Havia um advogado, duas médicas, dois engenheiros, uma arquiteta, uma bioquímica, um ciclista profissional e líder do grupo, um administrador de empresas e eu – jornalista com pouquíssima experiência em viajar de bike e bastante equipamento fotográfico na garupa.

Logo no primeiro dia, deu para perceber que a aventura seria bem diferente das tantas outras que fiz entre Prado e Porto Seguro. As falésias que sempre avistei do alto ganharam proporções gigantescas quando vistas da praia. Paredões de até 60 metros se erguiam multicoloridos, intercalados por coqueirais imensos e rios que despejavam água doce no mar. Os mesmos que impressionaram o escrivão Pero Vaz de Caminha por sua abundância.

Os 28 quilômetros percorridos no primeiro dia passaram como um filme em rotação acelerada. Cheios de cores, sons e aromas. A região vista pela primeira vez pelos portugueses no século 16 continua encantadora. As densas florestas de pau-brasil, que chegavam até a orla, obviamente não existem mais. Mas o Parque Nacional do Descobrimento, entre Prado e Caraíva, ainda guarda um pouco da mata Atlântica original.

PESCA E MOQUECAS
Atravessamos praias belíssimas nesses seis dias de pedal, muitas delas repletas de casas, pousadas e condomínios de luxo. A grande vantagem da bicicleta é o acesso a todo o litoral. Coisa que só acontece quando se está a pé – mas a bike tem o bônus da velocidade.

No sul da Bahia, a distância de um povoado a outro ameniza a sensação de que o mundo visto por Cabral e sua tripulação desapareceu por completo. Os europeus de hoje, sem caravelas, mas com os bolsos forrados de euros, procuram um novo Eldorado – terra para construírem hotéis, pousadas e condomínios. Hoje, o tesouro da região é o turismo.

A célebre carta de Pero Vaz de Caminha ao rei, aliás, pode ser encarada como o prenúncio do que acontece hoje nesta área:

“Esta terra, Senhor, […] traz ao longo do mar em algumas partes grandes barreiras, umas vermelhas e outras brancas; e a terra de cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é toda praia… muito chã e muito formosa.”

Pedalando percebe-se que a rede elétrica não beneficia todos os povoados, mas o turismo ajudou a acelerar a chegada da energia em alguns locais, como Corumbau.

Desde dezembro de 2005, a população da vila – que vive da pesca, do turismo e das fazendas de coco – já não depende dos geradores para ter energia elétrica. Embora metade da vila de Corumbau seja composta por visitantes, a tradição da pesca não acabou, nem corre risco. Em parte em razão da demanda gerada pelos turistas, que chegam ávidos por uma moqueca e pelas iguarias à base de pescado e frutos do mar.

ENTRE OS PATAXÓS
A areia fofa e o vento forte vindo do norte impunham uma resistência considerável, em especial para marinheiros de primeira pedalada, como eu. Os tais rios descritos por Caminha eram transpostos com as bikes nas costas e só na maré baixa.

Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem novinhas e gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não se envergonhavam.”

Quando Caminha produziu seu relato, os tupiniquins, que pertenciam à família tupi, ocupavam o litoral sul do atual estado da Bahia e parte da costa do atual estado de São Paulo, entre Bertioga e Cananeia. Sua população chegava a 85 mil indivíduos. Setenta anos após o desembarque, os tupiniquins foram quase extintos no sul baiano. Se Cabral aportasse hoje no rio Caraíva, além de encontrar belas garotas tomando sol de biquíni, com suas vergonhas quase à mostra, ele daria com índios pataxós vendendo artesanato.

Os pataxós têm comunidades distribuídas desde o município de Prado até Porto Seguro. Em nosso caminho, a partir de Corumbau até Arraial d’Ajuda, veem-se curumins vendendo na praia colares confeccionados com sementes coloridas. Como corante, usam anilina – o pau-brasil, como dissemos, acabou. As poucas árvores que resistiram à exploração portuguesa estão protegidas na área do Parque Nacional do Descobrimento, com cerca de 22 mil hectares.

Ao estacionarmos nossas bicicletas em frente à igreja de Barra Velha, encontramos a aldeia enfeitada de flores de plástico. As antigas ocas se transformaram em casas de pau a pique, e, de tradição mesmo, restaram as festas e a língua pataxó, ensinada nas escolas das aldeias da região. O artesanato também é um dos elementos fortes de preservação da cultura. Nossa trupe saiu de Barra Velha com as mochilas cheias de colares e artesanato de madeira.

Para quem gosta de pedalar, a trilha ao longo da Costa do Descobrimento tem características particulares. Ela reúne uma variedade incrível de paisagens e terrenos. Desde pedalada na praia, atravessando rios com as bikes nas costas, passando por trilhas no meio da mata Atlântica e escaladas de morros. Segundo os ciclistas mais experientes, é um dos melhores roteiros de bicicleta do Brasil, e, para melhorar, o grau de dificuldade é baixo. Para quem costuma fazer trilhas de pelo menos 30 quilômetros uma vez por semana, a viagem é tranquila. Já para quem nunca pensou em fazer uma viagem de bike – como eu –, pode ser puxada, mas muito divertida.

Quando a aventura terminou, em Porto Seguro, relembrei os detalhes de nossa epopeia. Descobri que viajar de bicicleta nos traz de volta a liberdade de brincar. Foi o que fizemos durante seis dias –adultos brincando e rindo muito, se divertindo como crianças.