Quase um outro planeta

Assim e o Pantanal Mato-grossense na definição de um de seus mais conhecidos moradores, o cantor e violeiro Almir Sater

Quase um outro planeta

Assim e o Pantanal Mato-grossense na definição de um de seus mais conhecidos moradores, o cantor e violeiro Almir Sater

Como chegar
by Waze

Onde ficar
by Airbnb

Onde comer
by TheFork

O que visitar
by TripAdvisor

Trilha Sonora
by Spotify

Dicas MIT
by MIT Travel

Podcasts
by Spotify

Inspiração

Por Fenando Paiva Fotos por Marina Klink

O estado de São Paulo tem 260 mil quilômetros quadrados. Imagine uma área pouco menor, com 230 mil. Esse é o Pantanal. Um mundão de água, regido pelos humores dos rios que cortam os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul – isso do lado brasileiro. Sim, porque o Pantanal também se estende, com o nome de Chaco, à Bolívia e ao Paraguai. Mas o que nos interessa é o Pantanal Mato-Grossense.

Nele quem manda são os rios São Lourenço, Piquiri, Taquari, Negro, Miranda, Aquidauana e Aquidabã. Juntos, eles correm para oeste. Vão engrossar o já caudaloso rio Paraguai, o mais importante da região. Coisa curiosa. Apesar do nome, o Pantanal nada tem a ver com pântano. Tem tudo a ver, isso sim, com a chuva. É ela que regula a vida. A seca vai de maio a setembro. E aí surgem ilhas, campos e bancos de areia. Os rios voltam ao leito natural, nem sempre seguindo o curso da estação anterior. A água escorre pelas depressões, os braços de rio secam. De repente, o mundo desaba. É outubro.

Chove torrencialmente na cabeceira dos rios. A planície rebrota e fica verde. Os rios transbordam, alagam os campos. Apenas morros isolados, as “cordilheiras”, servem de refúgio aos animais. Viajar fica difícil, pois as estradas desaparecem. Gente, mercadoria e animais domésticos passam a ser transportados por barco – ou com a ajuda dos anfíbios cavalos pantaneiros. Cidadezinhas se isolam. Para chegar, só de barco ou avião. É essa alternância de enchente-vazante que torna o Pantanal único – e um dos lugares mais belos do planeta.

No Brasil, quando se fala na região, dois artistas são imediatamente lembrados. O poeta Manoel de Barros, morto em 2016, aos 97 anos, e o cantor e violeiro Almir Sater. Natural de Campo Grande (MS), aos 63 anos ele se divide entre São Paulo, cercado pelo verde da serra da Cantareira, e sua fazenda pantaneira. Numa manhã de outono, bem à vontade – sandálias Havaianas, calça de moletom, faixa paraguaia na cintura, camiseta e com o chapéu de feltro marrom que já se tornou sua marca registrada –, ele falou da vida e do lugar que mais ama.

VÁRIOS PANTANAIS
“Não existe um único Pantanal. Há regiões pantaneiras, cada uma distinta da outra em função do relevo, da quantidade de rios e de água. Há, por exemplo, o Pantanal do rio Taquari, que separa a região da Nhecolândia da região do Paiaguás. Acima do Paiaguás você encontra o rio São Lourenço, que divide Mato Grosso do Mato Grosso do Sul. Eu estou no Pantanal do rio Negro, no rumo da cidade de Aquidauana. O rio Negro é cercado por brejos. Como vem muito embalado da serra, quando chega na planície pantaneira ele se espalha. Forma um brejo de 100 quilômetros de extensão. Na época da cheia, as águas do Negro, antes de chegarem ao Paraguai, num lugar chamado brejo da Redenção, se espalham tanto que se juntam com as do Taquari, ao norte, com as do rio Aquidauana, ao sul.”

ÁGUAS ESCURAS
“O rio Negro pantaneiro lembra muito o seu homônimo, que deságua no Amazonas – água escura, cor de Coca-Cola. Visto do alto ele parece negro, mas a água é limpa. Tanto que é um rio que não tem mosquito, o peixe não é tão saboroso quanto o de água barrenta. Tem pouco nutriente, o pessoal fala que a água é mais ‘tanina’. Água ácida, que mosquito não gosta. Só tem mosquito na minha região quando chove. Quando a água suja, as ovas do mosquito eclodem. Passou a chuva, mosquito some.”

CORDILHEIRAS E VAZANTES
“O relevo pantaneiro tem uma série de termos próprios. Cordilheiras são morros que sempre ficam fora d’água, mesmo na cheia. Ali o gado come e dorme protegido. Corixo é um braço que perde a ligação com o rio na época da seca. Aí se formam lagoas cheias de jacarés, piranhas, peixinhos – os passarinhos comem o que sobrou. Vazante é um braço de rio que corre, mas quando seca fica como um campo de golfe. E tem também as salinas, lagoas de água salgada. Quando tem vegetação, é água doce. Quando não tem, é água salgada – bicarbonatada. O gado gosta muito.”

A PRIMEIRA VEZ
“Quando eu tinha 8 anos, fui com um amigo do meu pai para o Pantanal pela primeira vez. Era um senhor chamado Silas Paes Barbosa, um dos grandes pecuaristas, pessoa muito generosa, grande mestre da pecuária. Ele tinha filhos pequenos e me levou junto, para passar as férias na fazenda Rancho Grande, na cabeceira do rio Negro. Fiquei apaixonado. Já gostava de fazenda e disse: ‘Quero isso para a minha vida’.”

FÉRIAS NO RIO NEGRO
“A partir daí, eu fazia tudo para não causar problema e ser convidado novamente para a fazenda do seu Silas. E era sempre convidado. Eu passava julho inteiro lá. E, no fim do ano, mais 90 dias nas férias de verão. A gente pescava, eu nunca gostei de caçar, de atirar em bicho. Era pescaria de guri: piau, sauá, lambari. Engraçado, nunca ninguém falou em jacaré, piranha, arraia. A única coisa que seu Silas fazia era esticar um laço de uma margem a outra – o rio ali tinha uns 12 metros –, e dali ninguém podia passar. Seu Silas me ensinou tudo sobre o Pantanal e a pecuária.”

DISCIPLINA PANTANEIRA
“Fui a essa fazenda durante quatro anos seguidos. Depois ele acabou vendendo e nunca mais fui ao Pantanal, durante uns 12 anos. Até que conheci o Guilherme Rondon, que é compositor também, e comecei a frequentar a fazenda dele, lá no Pantanal do Paiaguás..”

FAZENDEIRO, ENFIM
“Conheci a região em que moro hoje no Pantanal quando fui a uma fazenda que era da família do Guilherme Rondon. Eu conhecia o Pantanal inteiro, só não conhecia aquela parte do rio Negro. E quando conheci falei: ‘Puxa, isso aqui é muito lindo’. E disse para o Guilherme: ‘Fala com a sua tia pra ver se ela não me vende um pedacinho de terra aqui’. Mas não teve jeito. Fiquei dez anos jogando charme na viúva. Depois de muito tempo, acabei fazendo a novela Pantanal, em 1990. Por coincidência, foi rodada ao lado dessa fazenda que eu queria. Aí um dia fiz uma proposta de compra. E ela me disse: ‘Bom, agora que você está famosinho eu vou te vender o terreno’. Foi assim que virei fazendeiro pantaneiro, dono da fazenda Campo Novo. No ano seguinte fiz minha casa e, como não tinha filho nem nada, éramos só minha mulher e eu, gravei mais uma novela – Ana Raio e Zé Trovão – e fiquei oito anos morando lá.”

O POVO
“Imagine um lugar em que as distâncias de um vizinho pro outro são imensas. Onde a demografia é baixíssima. Então no Pantanal as pessoas são generosas, gostam de receber os outros porque não veem gente. Quando chega alguém, é um acontecimento. São pessoas muito generosas. É um lugar que não tem fome, não tem doenças, não tem miséria. Não tem violência – apesar de todo mundo andar com faca na cintura e revólver pendurado, não existe a violência gratuita. São pessoas muito educadas, à moda antiga. É quase um outro planeta.”