200 milhões de anos em 8 quilômetros

As formações geológicas antiquíssimas são apenas uma das atrações da pequena (e sublime!) Estrada da Serra do Rio Rastro, em Santa Catarina

200 milhões de anos em 8 quilômetros

As formações geológicas antiquíssimas são apenas uma das atrações da pequena (e sublime!) Estrada da Serra do Rio Rastro, em Santa Catarina

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Inspiração

Lá de baixo, no ponto inicial da subida, nosso destino parece tão íngreme que precisamos abrir o teto solar para visualizá-lo. Estamos na Serra do Rio do Rastro, na ligação entre o litoral catarinense e o planalto da Serra Geral, uma estrada tão exuberante que virou atração turística. Em seu trecho mais sinuoso, são 670 metros de variação de altura em apenas oito quilômetros. Isso gerou rampas com até 15 graus de inclinação – apenas cinco graus abaixo do limite imposto pela lei em piso molhado.

Uma chuva fina forra o asfalto. Mas o Mitsubishi que dirijo se sente em casa. É como se estrada e carro tivessem sido feitos um para o outro. Ele faz as 252 curvas (sim, pode contar) com agilidade impressionante. A sensação de aderência é tão sólida quanto o concreto estriado utilizado na pavimentação. A tração 4×4 faz com que “grude” no chão. E torna todo esse zigue-zague debaixo de chuva um emocionante e seguro passeio.

Antiga trilha de tropeiros que levavam uma semana para transpor o paredão de rocha basáltica entre as cidades de Lauro Müller e Bom Jardim da Serra, este trecho da rodovia SC-438 foi pavimentado apenas em 1987. Hoje, para chegar lá basta digitar o nome da estrada no GPS. Até a chegada do asfalto, porém, a beleza de seus cânions era conhecida quase somente pelos moradores – fazendeiros de origem italiana, alemã e portuguesa.

O isolamento ajudou a criar lendas como a do Gritador, um escravo que, depois de enterrar as riquezas dos jesuítas no século 18, foi perseguido e morto pelos bandeirantes pois se recusou a revelar o segredo. Há quem jure ouvir os gritos do negro na escuridão. Tudo ficou ainda mais folclórico na década de 1950, quando caçadores de tesouros munidos de cópias de mapas obtidos em mosteiros do Rio de Janeiro e de São Paulo chegaram à região. “Acredito que havia um tesouro”, diz Ivan Cascaes. “Mas acho que já levaram tudo embora.”

Ivan, engenheiro civil nascido na região, é proprietário do Rio do Rastro Eco Resort, um aconchegante conjunto de chalés distribuídos ao redor de um lago com decoração charmosa e a visita ocasional de neve nos meses de inverno. Situado em frente ao mirante que coroa o topo da estrada, o hotel é o ponto de partida ideal para girar a chave do carro e se lançar pelas curvas da região. Foi o que fizemos várias vezes ao longo de nossa estada. Em espaços um pouco mais largos, existem áreas de refúgio onde é possível parar e apreciar as paisagens. Elas também permitem entender outro interesse histórico da região: trata-se de um dos mais importantes sítios geológicos do Brasil.

Em 1904, uma expedição chefiada pelo americano Israel Charles White mapeou as 17 camadas de rochas da Serra do Rio do Rastro, e comprovou sua semelhança com as formações existentes na África do Sul, fortalecendo a teoria de que no Período Jurássico todos os territórios do Hemisfério Sul formavam um único supercontinente, o Gondwana. As cotas das 17 camadas são identificadas ao longo da estrada – uma viagem de 200 milhões de anos percorrida em apenas oito quilômetros. O topo da serra premia os viajantes com o já citado mirante, de onde é possível contemplar todo o trajeto, inclusive à noite, quando a iluminação da via cria outro cenário deslumbrante.

Seguindo rumo ao interior do planalto, surgem outras atrações naturais. A cidade de Bom Jardim da Serra tem 25 nascentes de rios, e a combinação entre água abundante e rochas impermeáveis ajudou a formar vários cânions e cachoeiras. Algumas delas, como a Cachoeira da Barrinha, ficam na beira da estrada, próximas às barracas que vendem embutidos defumados, queijos caseiros e maçãs fresquinhas. Outras, como o Salto do Rio Pelotas, são acessíveis por trilhas leves de apenas dez minutos a partir da SC-438. Já para chegar aos cânions, só mesmo com veículos 4×4 ou sobre motos trail, em expedições organizadas por operadoras locais.

A cidade seguinte é São Joaquim, destino turístico bastante conhecido por quem procura neve e o aconchego das lareiras que combatem as temperaturas geladas – no inverno, elas chegam a 10 graus negativos. Ali fica um restaurante de alto nível, o Pequeno Bosque, com pratos à base de cordeiro e truta, muitos deles acompanhados de pinhão, o ingrediente local mais típico. Outra parada muito agradável é a Villa Francioni, uma das vinícolas que tornaram a serra catarinense um novo polo produtor de vinhos finos. O terroir da região favorece as uvas próprias para o cultivo em altitudes elevadas e já renderam prêmios nacionais aos seus tintos, brancos e espumantes.

A partir dali, o viajante pode manter o rumo norte, no sentido de Lages, ou virar à esquerda em direção aos cânions de Aparados da Serra, na divisa com o Rio Grande do Sul. Mas resolvemos dar meia-volta para percorrer de novo a Serra do Rio do Rastro. Quando terminamos a descida, pela primeira vez desde nossa chegada, o nevoeiro se desfez por completo – e a visão monumental desta obra- -prima da engenharia encravada nas montanhas se revelou por inteiro. Foi como se a estrada nos deixasse um sinal de despedida. Algo como uma salva de palmas.

Serviço
Rio do Rastro – Há dois caminhos para se alcançar a Serra do Rio do Rastro. A partir de Florianópolis, pela BR-101, são 220 quilômetros até o início da subida. Quem vem do interior do estado, pela SC-438, passa por Lages, São Joaquim e Bom Jardim da Serra antes da descida.